A desconfiança é um sinal dos tempos modernos. Antigamente, os ricos desconfiavam dos pobres e das criadas, e os pobres desconfiavam dos ricos e das polícias. Agora, a coisa democratizou-se e toda a gente desconfia de toda a gente. Desconfiamos dos políticos e do Estado, desconfiamos dos médicos e dos hospitais, dos advogados e dos tribunais, dos procuradores e dos investigadores, dos professores e das escolas, das polícias e dos militares, dos estrangeiros e dos indígenas, dos jovens e dos adultos, dos maridos e das mulheres, dos patrões e dos empregados, dos namorados e das namoradas, dos amigos e das amigas. A ideia de que há ainda pessoas ou instituições em quem se possa confiar há muito que levou um tremendo rombo. Hoje, ninguém escapa a esse sentimento generalizado de desconfiança. Quase sem nos darmos conta, fomos perdendo a confiança uns nos outros, lentamente, mas de forma permanente.
Ao mesmo tempo, a evolução da tecnologia permitiu que a espionagem se tornasse muito mais fácil. Nunca como hoje existiram tantas formas de espiar os outros, de nos metermos na vida uns dos outros, de controlarmos o que os outros andam a fazer, onde estão e com quem. As escutas policiais são apenas a ponta de um iceberg social vastíssimo. É verdade que a escuta policial tem características diferentes, mas não é preciso ser polícia para escutar outra pessoa, há aparelhos que se vende na internet à disposição de quem os quiser adquirir. Desde GPS a chips, passando por programas informáticos específicos, há mil e um dispositivos para descobrir onde anda uma pessoa, e mais outros tantos para controlar o seu telemóvel e o seu mail, ou Facebook, ou lá que seja. Isto para já não falar nas câmaras de videovigilância e coisas mais refinadas. Cada vez mais, as nossas são sociedades de desconfiados e de espiões. Sejam cônjuges, patrões ou polícias, alguém que desconfie de alguém tem hoje formas muito rápidas de seguir e espiolhar. E lamento dizê-lo, isto não volta para trás. Não há forma nenhuma de se impedir que a sociedade não use estes truques.
Domingos Amaral, in Correio da Manhã, 09/12/2009
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